02 julho 2006

Quebrando os paradigmas

Para Neto (enchanté!), virtualmente uma amizade real

Ela entrou no avião sentindo um friozinho na barriga. Embora já tivesse viajado sozinha, aquela era a sua primeira viagem internacional e, para piorar, para o outro lado do oceano. Não tinha medo de o avião cair no meio do Atlântico, pois sabia nadar e pretensiosamente achava que sobreviveria à queda. Tinha medo era da vastidão do mundo, do desconhecido e de como aquilo tudo poderia influenciar sua vida, abalar sua segurança e modificar seus parâmetros, pois nunca mais se é o mesmo quando conhecemos alguém ou alguma coisa.

O frio na barriga ia demorar para passar, ela sabia. E, logo, logo, a ele seria adicionada aquela sensação incômoda no ouvido provocada pela mudança de altitude. Como, não raro, as alterações físicas são um indício de alterações emocionais que estão por vir, era natural preparar-se para ser surpreendida. O novo sempre assusta no princípio.

Começou a procurar por seu assento. Havia solicitado, na agência, que a pusessem à janela, mas, no
check-in, viu que a tinham colocado em um daqueles quatro assentos centrais. Em meio àquela balbúrdia de gente conversando, malas sendo acondicionadas aqui e ali, pacientemente ela foi pedindo licença para tentar chegar logo a seu destino. Curioso isso... Como podia procurar por algo que nem ela ainda conhecia?

Mas, como ser ímpar tem lá suas vantagens, foi fácil encontrar um único assento desocupado no meio. Ajeitou a bagagem de mão no compartimento próprio para isso e já estava pegando o cobertor deixado em seu assento para colocá-lo junto à bagagem quando o rapaz já sentado ao seu lado a interrompeu com um calmo e sorridente “é meu”. Ele lia, interessado, um guia sobre Roma. “Vai para a Itália”, ela obviamente deduziu.

Sentou-se observando tudo. O assento até que não era ruim: de lá dava para ver muito bem a televisão, e o banheiro, que ela nem chegaria a usar, era próximo.

Talvez por terem de passar as 9 horas seguintes lado a lado, o rapaz virou-se para ela e, numa acolhedora demonstração de simpatia, perguntou algo como “está indo pra onde?”. Ela timidamente respondeu: “Pra Portugal. Você, pelo visto, vai pra Roma, né?”.

Pensando bem, aquele assento ali, no meio, dava de dez no da janela. O frio na barriga foi passando. O medo do desconhecido converteu-se em conforto. Sem que eles percebessem, as coisas já começavam a mudar de uma maneira inusitada: até então, nunca haviam conhecido alguém a bordo de um avião.

Embora tivessem destinos diferentes, haviam se encontrado no meio do caminho.



9 comentários:

Anônimo disse...

Essa história continua?
beijos

Anônimo disse...

Olá...vi seu blog em *um cara que não presta* e passei pra visitar.
Adorei e voltarei mais vezes, pode ter certeza!!!
Este texto é muito bonito.
Bjs.

Anônimo disse...

Gosto de surpresas boas iguais a essa....
Tive uma assim a uns seis meses...
E tô feliz por isso até hoje....

Anônimo disse...

Conheço essa personagem...

rafael fermiano disse...

se eu fosse o cara ao lado ela não estaria tão contente. Afinal, quem gosta de sentar ao lado de um cara que passa mal em viagens, ahm...numa viagem...?
Acredito ser importante notar as pessoas em nosso caminho, no meio dele. Elas, ao meu ver, nos preparam para o destino...

obs: você notou que fui citado duas vezes(nata e aline) no seus comentarios? hahha, estou "me achando".

abraços Kandy

Anônimo disse...

kandy estou apaixonada pelos seus textos ... a arquitetura perdeu feito pra literatura, hein?!
parabéns, beijos ...

Anônimo disse...

Rafa...
Vc é "o cara" né...... rsrs

Jana...
Eu espero que essa história continue.

Kan...
Sem comentários...rsrsrs

Kandy disse...

Jana, é curioso como cada pessoa entende a história de um jeito diferente, né? Se ela continua ou não vai depender da sua imaginação! Ângela, ainda bem que um dia a gente acha o nosso caminho, né? A arquitetura nunca foi a minha praia, só se for a arquitetura com as palavras... rs rs
Rafael, realmente você está podendo, não? ;-) Aline, você é sempre bem-vinda aqui! Nata, que sua felicidade dure muito muito! Bjos a todos.

Anônimo disse...

Grande Kandy,

Olha o sumido de volta !
Fiquei um tempo sem visitar seu blog e qual não é minha surpresa quando vejo este texto. Obrigado pela homenagem !
Para quem é cético, mais uma nova constatação : amizades à bordo de avião também podem dar certo !!
Grande abraço

ps. Só para deixar registrado, a sensação de "conforto" foi recíproca.