05 novembro 2006

A hora do aperto

Por alguns dias tive o tempo a meus pés, algo só possível quando se tem férias ou quando ocorre algum evento geralmente de natureza catastrófica que nos obrigue a ficar trancafiados em algum lugar sem nada para fazer, num exercício entediante e aflitivo de perder tempo.

Curiosamente, hoje entrou o horário de verão, quando os relógios tiveram de ser adiantados em uma hora. Mas minha sensação de tempo perdido é gigantescamente maior que isso, sobretudo agora, a menos de uma semana de retomar aquele ritmo alucinante de luta contra os ponteiros mais ágeis que eu.

Eu só tenho 31 anos, embora às vezes me sinta com 40. 9 anos perdidos. Mas também há dias em que me sinto mais nova, no auge dos 20, devido a um daqueles banhos imaginários em alguma lendária fonte da juventude. 11 anos perdidos. Os mais racionais dirão, como naquela metáfora do copo mais cheio ou mais vazio quando a água nele está exatamente na metade, que 31 são 31, nem mais um nem menos um. Mas eu estou perdendo tempo, e isso é um fato que nem a Matemática explica.

Estou perdendo os sonhos que não consigo realizar por motivos que independem de mim. Estou perdendo as viagens que poderia fazer não fosse a obrigação de comparecer diariamente ao trabalho (o mesmo trabalho que paradoxalmente pagá-las-ia). Estou perdendo horas fantásticas ao lado de amigos mais fantásticos ainda que só consigo ver nas férias. Estou perdendo céus coloridos que as janelas do escritório não me deixam ver e estrelas sempre cobertas quer pela poluição, quer pela minha falta de tempo para contemplá-las.

E, nessa perda de tempo, não sou mais capaz de visualizar as palavras de amor que ainda quero ouvir, os olhares cúmplices teóricos que nunca tiveram tempo de serem praticados, as tortas de morango que não tive tempo de aprender a fazer, os solos de violão que a falta de tempo trancou no armário, os filhos que não tive, as orações que não fiz, os momentos de liberdade covardemente sufocados por estar sempre atrasada, numa luta insana contra o que sempre passa mais rápido do que eu, as pessoas que não conheci por nunca ter chegado a hora, as conversas que poderiam acontecer não fosse eu ter de fazer mil coisas ao mesmo tempo, os beijos que não recebi de alguens que não tiveram tempo a me dedicar ou que têm predileção ao depois, o que deixei de fazer enquanto esperava o trânsito andar, o dentista me atender, o médico chegar, a fila acabar...

Não adianta: quanto mais o calendário anda, mais tempo eu perco. (O ideal seria não dormir, como agora, mas numa insônia voluntária e compensadora, multiplicadora de horas extras, diferente desta, motivada pela sensação de impotência diante de horas contadas.) Eu trocaria, de olhos fechados, muitas das minhas horas solitárias por poucos minutos de companhia sincera e espontânea.

Pode ser a cidade em que vivo a maior culpada por essa sensação de relógio acelerado. Pode ser minha ansiedade ou minha expectativa pelo diferente, que teima em acontecer sempre igual na minha vida, ou, ainda, a constatação infeliz de que tudo está mudando exceto eu. Essas coisas atropelam tudo sem piedade, fazendo das vinte e quatro horas um piscar de olhos.

Então, hoje, quando adiantei o relógio em uma hora, não doeu. Foram apenas cócegas nesse imenso desperdício.


8 comentários:

Ricardo disse...

Depois de um "pagá-las-ia", que posso dizer? rsrs
Muito bom o texto, ainda que melancólico (vc anda muito assim). Eu estou lutando com tumbas e defuntos pra terminar o Boa Semana.
Bjs

Anônimo disse...

Saudades do tempo que passamos juntas.
Beijos.
Ah, leia o livro de Eclesiastes.

Anônimo disse...

Profundo heim Kandy? Muito legal!

10!

bjs

Jonas

Anônimo disse...

Li um livro que se chama: Perca Tempo! É no lento que a vida acontece...
OK que o título é bom, mas o livro não. Vc já viu isso? Uma ótima idéia que qdo vc começa a se aprofundar nela, não é o que vc achava que seria...
Enfim, o livro não prestou pra muita coisa, mas o título desencadeou um enorme processo dentro de mim. Na verdade, só deu nome a algo que eu já sentia. E hoje eu te afirmo, realmente: Perca Tempo! É no lento que a vida acontece...

Anônimo disse...

Bom, Kandy, vc naum está só:
tem dias em q eu acho q dormir eh um disperdício de tempo....
Mas fazer NADA de vez em qdo eh ótimo!
Relaxa
bjs
Jana

Anônimo disse...

Kandy....
Meu..
muito bom essa texto... putz, amei !!!

Vc realmente escreve muito bem...
eu acho que nos temos que fazer um acordo..
vc escreve roteiros e eu os dirijo.. o que vc acha ?
hahahahaah... o roteiro eu tenho certeza que sera otimo...

E o que vc falou no texto, acho que todo mundo sente o mesmo...
nao sei... ficar em casa vendo tv nao me faz bem... eu fico pensando em tudo que poderia estar fazendo aquela hora ao inves de estar apenas deixando minha bunda quadrada....
eu odeio ficar em casa sem fazer nada.. a vezes e necessario.. mas eu adoro sair, nem que for pra nao fazer nada fora de casa...

Por incrivel que pareca.. eu amo andar na paulista.. quando estou meio pra baixo.. uma caminhada la me deixa melhor.. estranho, ne ?
Vai entender...

bjao kandy e parabens..

Anônimo disse...

ahh... esqueci de comentar a foto...
essa foto eh realmente maravilhosa, vc sabe disso..

parabens novamente !!!

Anônimo disse...

Olá, Kandy.
Saudade de você, minha querida...
Lendo "A hora do aperto", eu me lembrei de um livro que li recentemente: não guardei o nome do autor, mas o título é DEVAGAR e a capa, amarela. Trata-se do relato de um movimento que valoriza a calma, o equilíbrio e a serenidade em todas as nossas atividades, da alimentação ao sexo. Você conhece?
Beijos,

Sérgio Klein