
Quando cheguei em casa hoje, vi a Lua linda e redondinha no céu. Estava tão brilhante, talvez por causa do frio, que me deixei encantar. Mas faltava alguma coisa... Uma Lua assim tão imponente no meio do azul-marinho (que deveria ser celeste) estava silenciosa demais para o meu gosto.
Em noites assim, de Lua calada, sempre me lembro do Apolo. Por razões que talvez apenas Zeus conheça, o Apolo detestava tudo o que habitasse o céu. Latia para a Lua, para pipas, aviões, fogos de artifício, pássaros e balões. Só perdoava as estrelas. Era poético esse meu amigo, um dog alemão muito boa gente, que de cachorro só tinha a fidelidade, o físico e a onomatopéia — tem muita gente-cachorro que não chega aos pés dele.
Ninguém nunca me olhou como ele me olhava, jeito desvelado de dizer eu te entendo sem sequer levantar as sobrancelhas. Aceitava-me triste, entusiasmada, concentrada ou feliz, com os cabelos bonitos caindo sobre os ombros ou todo emaranhado num birote improvisado; de pijamas descombinados ou na elegância de um salto alto. Nunca desfiou uma meia de náilon minha, apesar de ter destruído meu escalímetro. Às vezes cismava em subir na minha cama. E ficávamos cada um com metade, em média uns cinco minutos, até que ele se enchesse de tanto aperto e resolvesse ir para o chão.
Até hoje, foi o único que me enxergou transparente, fazendo-me companhia, sem reclamar, em muitos longos finais de semana em que eu ficava em casa e a família debandava, revoada inquieta. Fazia o supermercado inteiro achar que eu era dona de um canil: "80 quilos de ração? Nossa, quantos cachorros você tem?". "Um", eu respondia. Era único mesmo.
Mal-agradecida que eu só pela gentileza da fiel companhia, premiava meu amigo dourado — melhor seria dizer de ouro — com um banho que encharcava o mundo. O Apolo era enorme. Só assim para abrigar coração tão grande. Íamos ora eu e ele, ora ele e eu, não se sabe quem levando quem para onde, rumo à saga de tentar fugir ou desencardir toda aquela área peluda. Eu sempre saía mais molhada, e ele, mais limpo. É o que dá misturar leão com cachorro.
Em compensação, eu o deixava andar no meu carro popular. Abaixava o banco e abria o porta-malas, convite perfeito para um passeio, porque, na coleira, era impossível andar civilizadamente com aquele ser mitológico fora dos portões de casa. Os quase noventa quilos dele sempre arrastavam os meus cinqüenta.
Invariavelmente, porém, acabávamos sempre no mesmo lugar: a casa da Sonia, uma dachshund muito da posuda, apesar do tamanho, que se dependurava nas orelhas do Apolo com uma coragem espantosa. A Sonia guardava o consultório da Florinda, criadora de são-bernardos e veterinária do bairro, a paciência em pessoa para limpar o tártaro daquela bocarra de cavalo que só o Apolo tinha. Era tratado no chão mesmo, sobre o cobertor dele — um de solteiro, que ele sempre carregava com a boca, dobrado, sem arrastar no chão —, visto que colocá-lo na mesa era missão para alguém bem mais forte do que eu e a Florinda juntas.
Não sei quantas tardes de sábado eu passei naquele consultório esperando os quase noventa quilos acordarem da anestesia e caminharem com as próprias pernas para o porta-malas do meu carro. Não sei quantas vezes levei o carro para lavar depois de ter sido marcado tão carinhosamente por montes de babas alegres por voltar para casa, nem quantos chumaços de algodão gastei para limpar aquela vastidão de orelhas sem fundo ou quantas foram as tentativas de fazê-lo parar quieto para trocar os curativos da orelha operada para retirada de coágulo.

Estabanado, guloso, divertido, desengonçado, carinhoso, folgado e sem noção de direção, proporção ou espaço, esse meu cachorro me ensinou a semântica de sua denominação: era mesmo um animal para estimar, meu bicho de estimação por oito anos e meio.
Não me lembro o ano em que o perdi, só sei que faz tempo, muito pra mim. A saudade é mesmo assim: se estica até não poder mais quando o amor é maior que a gente. O Apolo morreu dormindo, depois de, sem saber, termos nos despedido rolando longamente pelo chão em brincadeiras afoitas.
Hoje eu entendo por que ele não latia para as estrelas.