18 setembro 2009

Diga o que tem a dizer

O olhar inquisidor de Netuno, esculpido por Bartolomeo Ammanatti - Florença - Itália


“It’s better to say too much
Than never to say what you need to say again
even if your hands are shaking
and your faith is broken
even if the eyes are closing
do it with a heart wide open
Say what you need to say”


Um dos mestres da fotografia do século passado, o francês Henri Cartier-Bresson, ficou mundialmente famoso também por seu conceito de “momento decisivo”. Para ele, uma boa foto tem o momento certo de ser tirada. Mais que isso é outra imagem. Menos que isso, outra outra. As sucessões, os milésimos de segundo, tudo encerra uma unidade e uma originalidade tamanhas que só a memória é capaz de fotografar se o momento decisivo for perdido. Mas, com o tempo, ironicamente, também ela se perde.

Quantos momentos decisivos são negligenciados pela certeza ignorante de que amanhã existe, de que o hoje se repete, de que haverá outra oportunidade... Um depois cômodo que vai embaçando o cotidiano e deixando tudo entediantemente igual, na sombra do que poderia ter sido.

Os olhos deixaram de enxergar os momentos decisivos por causa de corações anestesiados demais por estarem há muito tempo espremidos em caixas de fósforos. As palavras deixaram de ser pronunciadas nos momentos decisivos por causa de medos terríveis demais por estarem constantemente assombrados por incertezas, desaprovações imaginárias, receios injustificados, besteiras do tipo.

Estamos perdendo os momentos decisivos de dizermos o que temos de dizer, de tornar explícito o que sentimos, de não nos importarmos com o rubor das bochechas, com o tremer das mãos, com a palpitação do peito, a efervescência dos nervos, o pavor do óbvio.

Sem perceber, acorrentamo-nos a listas de desejos que só se realizarão em um futuro que nunca chega. Acostumamo-nos a nos contentar apenas com o que pode vir a ser, de tão frustrados que estamos com nossa própria incapacidade de recriação. Escolhemos a covardia, onde estacionamos nossas vontades.

Temos de ressuscitar os momentos decisivos de Cartier-Bresson, importando-nos com o agora antes de virar depois e de tornar-se o próximo. Hoje, temos de dizer o que é preciso dizer, agir costurando a integridade, a ética e a atitude para vestir sinceridade todos os dias, porque ela combina inclusive com guarda-chuva.

É verdade que nem todo mundo está preparado para ouvir o que temos a dizer, ver explicitamente o que só por dentro sentimos, entender nossas diáfanas motivações, nossas ondas, flutuações, como nos dissolvemos em nós mesmos.

Porém, se todos começarmos a reinventar os momentos decisivos, tornando marcantes os comuns, importantes os banais, significativos os tediosos, além de fotografias muito mais bonitas resgataremos o presente, o amor, o respeito, a paz. Resgataremos nós mesmos.



Para celebrar o ano da França no Brasil, o SESC Pinheiros, em São Paulo, realiza a mostra Henri Cartier Bresson: o fotógrafo, de 17/09 a 20/12/2009, com entrada franca. Organizada por Eder Chiodetto, a mostra é composta por 133 fotografias pertencentes ao acervo da Agência Magnum, fundada por Cartier-Bresson em 1947, da qual fez parte o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. Em 45 anos de carreira, Cartier-Bresson criou um estilo único e tornou-se pai do fotojornalismo contemporâneo.