29 dezembro 2007

Tudo de novo


Tem gente que vai dizer que entra ano e sai ano e tudo continua igual. Tem gente que vai alegar que está tudo na mesma porque o tempo é sempre isso que aí está, o calendário é que muda. E tem gente que justifica a desesperança afirmando que nada como um dia após o outro.

Como você gastou o tempo neste ano que chega ao fim? Saindo para trabalhar todos os dias, tentando ficar indiferente ao trânsito, à má educação das pessoas e à intolerância que escolheu este mundo para morar? Ou enfrentando filas, enrolando pensamentos em salas de espera, colecionando nãos, agora não dá, mais tardes e daqui a poucos? Será que seus dias foram todos iguais, feito as páginas padronizadas impressas nas agendas distribuídas como brindes nessa época?

É melhor acreditar que você soube usar bem o seu ano que agora acaba. Que você conheceu novas pessoas, ousou um pouco, engoliu o não e foi atrás de um sim, chorou de tanto rir, viu beleza no que é singelo, olhou para o céu de um jeito demorado, tomou chuva, viu uma criança nascer ou comemorar o primeiro aniversário, viajou para lugares tímidos e encantadores, aprendeu a tirar fotos direito, fez algum curso proveitoso, olhou profundamente para alguém e recebeu um sorriso em troca, vibrou com novidades, assistiu a um filme inesquecível, mudou de idéia, enterrou lembranças desnecessárias, amou de verdade mesmo sem ter sido correspondido, comeu pão quentinho estalando de gostoso, descobriu outros blogs legais, arriscou uns passos de dança, redescobriu uma música da adolescência, parou de se preocupar em impressionar, elegeu mais um ou dois intérpretes favoritos, amou de verdade e foi realmente amado em uma doce retribuição, fez caridade para aliviar a dor de alguém, voltou atrás em decisões precipitadas, soube pedir desculpas, conseguiu perdoar, aprendeu a se maquiar sem manchar tudo e a se barbear sem se cortar... aprendeu a não se machucar mesmo aproveitando a vida intensamente.

É melhor acreditar nisso tudo para lembrar com saudade do ano que passa e se esforçar para ter momentos assim no ano que vem. É preferível lembrar do que deu certo para repetir a fórmula amanhã. Por que não entender que é possível ser feliz agora? É tão fácil! A felicidade está também nas coisas simples, o olhar é que se desvia para o inalcançãvel, porque é complicado demais admitir que é suficiente o que se tem.

Não é para não querer mais nada. Ano novo combina com lista de desejos. É para conscientizar-se de que aproveitar os momentos ao máximo, no simples, mesmo em preto-e-branco ou ao contrário, um pouquinho diferente do imaginado, pode ser divertido também. Se acabou o sorvete de chocolate, por que não se contentar em dar outro sabor à vontade? Ano novo combina com experimentar o novo. Se o domingo não amanheceu ensolarado, qual o problema em ver a chuva cair com aquele barulhinho de embalar qualquer preguiça? Ano novo combina com adaptação. Se não recebeu flores o ano todo de ninguém, por que não ir a uma floricultura bem colorida e comprar umas bem lindas para enfeitar a casa? Ano novo combina com criatividade. Se foi engolido pelo tempo e não conseguiu ver todas as pessoas de quem gosta, por que não inverter as prioridades para acalmar o coração? Ano novo combina com mudança. Deixe neste que termina o mau humor, os ressentimentos e a reincidência de equívocos.

Se entra ano e sai ano e você continua igual, é porque não está vivendo direito. Quando a gente vive direito sempre aprende alguma coisa, muda um pouquinho, aprimora o gosto, revê conceitos, fica mais tolerante às diferenças, encontra graça no azul e no amarelo, mesmo morrendo de vontade de viver vermelho ou verde, faz novas amizades, expande mais o coração, respira fundo e conta até mil se preciso for, lapidando a civilidade, sorrindo mais e revestindo-se de boa vontade para olhar sempre para cima e ver que o céu é mesmo lindo, e que ele vai continuar lá no ano que se inicia. Basta aprender a apreciá-lo.


Feliz ano-novo a você que me lê e não me conhece, a você que me conhece e que me lê, a você que caiu aqui por acaso, a você que se esforça para melhorar.

13 dezembro 2007

Um livro para chamar de meu

A convite do Vinícius, o Devorador de Livros, escrevi um texto sobre o livro que mais me marcou. Foi uma literatura que influenciou bastante meu jeito de escrever. Lá no texto eu explico por quê.

Vai lá dar uma olhada e aproveitar para conhecer o blog do "Elfo". Ele é mesmo encantador (o blog e o autor).

08 dezembro 2007

Linguagem

Para Marcelo, pela sugestão do tema e pelo desafio que ele é.

Salvador - Bahia

"O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.

O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.

O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar."


Carlos Drummond de Andrade, "O mundo é grande".


O mundo é grande. O mar é grande. O amor é grande. E tudo cabe no breve espaço de beijar.

No breve espaço de beijar cabe o universo. Um universo de sensações, um universo de expectativas, um universo de desejo que vai e vem, que percorre o corpo várias vezes, provocando ondas de calor como se todos os segundos fossem verão.

Mas, mesmo sendo universo, no breve espaço de beijar só cabem dois: dois pares de lábios, dois pares de olhos fechados, duas línguas, dois corações, duas pessoas, dois jeitos, duas improvisações.

No breve espaço de beijar cabe mesmo o mar. Um mar de água na boca. Vontade de mais, de sempre, de grude, de amasso, de sexo.

No breve espaço de beijar cabe muita volúpia, muito movimento, toque e tesão. Cabe uma aquarela completa que dança no pensamento vazio enquanto o corpo se enche de... mundo.

No breve espaço de beijar cabe troca. De saliva, de textura, de sentimento, de um mar de silêncio, apesar da trilha sonora que toca na imaginação, porque um beijo pára tudo ao redor só para ser apoteose, mesmo quando considerado mera alegoria.

No breve espaço de beijar cabe o que a gente ainda não sabe. Não sabe se é amor, se é paixão, química, tentação ou só impulso. Cabe o indefinível, porque beijar é mais importante do que qualquer tentativa de dicionarização.

No breve espaço de beijar cabe estréia. O primeiro, o segundo, o terceiro, o milésimo. Todos premières cheias de glamour, porque as variáveis são muitas e as combinações, inúmeras: variam as bocas, os lábios, os amantes, os dias, os cenários, os motivos — um beijo nunca é igual ao outro.

O breve espaço de beijar é tão enorme que nele também cabe paradoxo: brevidade e permanência, elegância e desalinho, calma e voracidade, fome e satisfação. Congela a memória mas faz ferver o sangue. Em um beijo cabe um mundo de contrariedades, de opostos que se atraem, de algo em comum.

O beijo é intenção declarada, ponte para o outro, uma invasão consentida mesmo quando roubado, apetite incontido, jeito ousado de mostrar com a boca o que os olhos querem e não alcançam. É sei lá, deixa para lá, o lá de dentro e o lá de fora num diálogo mudo que diz tudo aqui e agora.

Beijar desequilibra, faz perder o rumo, a cabeça, a razão, mas não a oportunidade. É mesmo um espaço infinito ainda que acabe rápido, deixando a respiração ofegante e o corpo todo falante, já que a boca está ocupada demais para pronunciar sílaba. Um beijo é língua comum embora deixe a gente sem palavras. Beijo é linguagem. Desvia todos os sentidos para o paladar. É gosto que não se discute ao sabor de cada par.

Por isso que o beijo contém o mar, o céu e o que mais for possível imaginar. Porque qualquer beijo é um gigante mostrando horizontes inteiros para a gente desvendar.

O mundo é grande. O mar é grande. O amor é grande. E tudo, absolutamente tudo, cabe no breve espaço de beijar.