02 janeiro 2013

De olhos bem abertos

Eu, ano passado

Em noites de insônia, o que não nos deixa dormir são pensamentos. Natural tê-los mais intensos – e confusos – no início de um calendário. São mudanças pulsando, ávidas por realização, que nem sempre queremos. Teimosia também tira o sono.

Então, no meio da madrugada, o que resta são retrospectivas. Onde erramos. Onde acertamos. Há consciência do erro ou do acerto? E se o erro virou acerto? Ou vice-versa? Tudo é de fato relativo. A quê, mesmo?

Pensamos em banho de sal grosso no dia seguinte, para limpar resquícios. Mas é com eles que aprendemos se de olhos abertos estivermos. A tal da insônia de novo. Mudamos o foco – ou a falta dele – para algo mais prático, para tabular organização: um bloco sempre à mão, de preferência com pauta, porque é muita pretensão querer escrever certo por linhas tortas. Até o bloco, a pauta, a organização e as ideias dormirem em sono profundo em algum canto remoto do porta-luvas, da bolsa, da gaveta, do criado-mudo ou de um espaço inútil qualquer. Pelo menos alguma coisa dorme nesse ambiente insone.

E nos lembramos dos desejos adormecidos até então. Não contentes, e talvez pela falta do que fazer no silêncio, os ressuscitamos. Tem graça acordar recordações inconcretas. Olhamos ao redor: os livros que não lemos por falta de tempo, de vontade ou por sono demais. Aliás, se pudéssemos mandar nesse último, não haveria insônia nem livros não lidos, apenas olhos vermelhos em outras horas. De choro, é provável. É quando nos comprometemos a não chorar mais tanto. Mas cada lágrima lembrada puxa outra ainda mais chorosa e, em vez de dormir, lacrimejamos devagar, prometendo nunca mais sucumbir. A firmeza da resolução, entretanto, sinaliza incômodo: uma insensibilidade que não nos pertence. A luz começa a faiscar, resultado da intermitência entre olhos cansados e consciência de nossa capacidade de amar, cada vez maior, como o algarismo que denomina o ano novo. Uma capacidade que nos alarga por dentro mas que, quase sempre, espreme nossa alma bem apertadinho. É nesse momento que revisitamos os relacionamentos, buscando conclusões inconclusas, alguma consolação, uma saudade, explicação mergulhada em uma xícara de chá. Coisas assim nunca dormem.

Arriscamos olhar para o relógio, na esperança de que o tempo não tenha passado demais, para podermos descansar quando a insônia desistir. Mas é o tempo que desiste de nós, sempre atrasados, correndo atrás do impalpável.

É melhor não pensar nisso. Fechemos os olhos para recomeçar. Hoje é outro dia.