22 junho 2008

Fome


O corpo esticado sobre a cama forrada de lençóis lisos, as mãos enlaçadas atrás da nuca, evidenciando os bíceps, mostravam que era todo curvas, em temperatura ideal para o tato.

Permanecia com as pálpebras ligeiramente cerradas, feito milharal em época de colheita, embora não deixasse os pensamentos serem ceifados por observação alheia. Escondia ali um par de castanhas.

Sorria com o canto dos lábios finos, numa educação contida demais para um momento sem ponteiros. Ofereceu um pouco de chá branco, tal qual o lençol. Tinha gosto de maçã. Um pouco verde, talvez. Irrelevante. A embriaguez era mesmo de vinho.

Apesar da miopia, proferia palavras nítidas, que emendava num português quase perfeito envolto num timbre de pêssego. O humor era doce; o toque, sussurrado como quem acaricia uma onda sem molhar as mãos; o desejo, exalado por poros contemplativos, fincados na degustação do agora.

E não importavam os olhos que o admirassem, fossem anis, de quiuí ou de chocolate. E não importava o perfume, se de amêndoa, adocicado ou cítrico. Quer fosse um aperitivo, uma entrada, uma sobremesa ou um banquete, pedia era para ser devorado. Só assim sentir-se-ia satisfeito.

Nascera para a tentação, porque abria qualquer apetite.