07 julho 2007

E alguém se apaixona hoje em dia? (diálogo entre textos)

I


"— Você já se apaixonou de verdade?
— Sim, já.
E você contou pra ele?
Ele nunca soube.
E por que você nunca contou?
Há coisas que não precisam ser ditas."

Em busca da felicidade. República Theca/Alemanha (2005).
Direção:
Bohdan Slama.


Ele não a via, e ela sabia. Ele nunca soube. Talvez nem o nome dela soubesse. Mas dele ela sabia cada contorno; sempre tivera boa memória. A dele é que era dispersa. Tudo nele era muito nebuloso. E ela nunca gostara de sol. Sempre silenciosa, preferia a intensidade da paixão à claridade de qualquer verão. Disso ele também não sabia. Ela nunca lhe disse.



II

"Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será."


"Não se mate",
de Carlos Drummond de Andrade.
In: Brejo das almas. São Paulo: Círculo do Livro, 1996, p. 111
.


Hoje ela olhou para ele com aquele jeito de interesse sorrindo de canto. Ele, feliz, andou suave em reciprocidade a manhã toda. Até vê-la olhando do mesmo jeito interessado e sorridente para o melhor amigo dele. Amanhã não olharia mais para ela nem imaginaria mais os beijos que dariam. Depois, ninguém mais soube dele.



III


"Amores que puderam ter sido e não foram"


Gabriel García Márquez.
In: Memórias de minhas putas tristes.
Rio de Janeiro: Record, 2005.


Enquanto ela dançava alegremente remexendo as saias com as pontas dos dedos, era observada por eles. Para cima e para baixo iam as saias e os olhos dela. Ela era mesmo cheia de amores que podiam ter sido e não foram. Só para ser admirada, nunca amada. Talvez por isso sua coreografia fosse tão boa. Dançava conforme a música.



IV

"Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente onda.
Sabendo bem que eras nuvem, depus minha vida em ti.
Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil,
fiquei sem poder chorar, quando caí."


"Epigrama n.º 8", de Cecília Meireles. In: Viagem vaga música.

3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 86.

Aparecia de vez em quando, vasculhando as gavetas com o olhar inquieto. Tinha esquecido algo, sempre esquecia. E por isso voltava. Não por ele. Liberdade demais presa num corpo bem-feito, isso ele entendia. Até o dia em que ela voou. O que esquecer ali, não havia. E, mesmo no chão, isso ele entendia.


11 comentários:

Ricardo disse...

Pura poesia, hein? Dessa vez vc foi fundo, com essa conversa entre os textos. Parabéns!

Anônimo disse...

Que bonito!
Gostei.

Edilene Santos disse...

Que que é isso, Kandy Girl!! Que coisa mais linda, sô!

Beijo

Anônimo disse...

Lindo!!
Vc se apaixonou??
Bjs

Balu disse...

Olá prima!!
Os teus textos são sempre tão bonitos, lindo mesmo... adoro ler-te!!
Desculpa não te comentar mais vezes mas...o tempo foge e a internet por vezes também não ajuda!!

Beijinhos nossos
Sara e Armando

Anônimo disse...

Oi Kandy!

Realmente estou adorando td, aos poucos estou lendo!. Um super beijo!

Lele disse...

Tá inspirada hein?
bjs

Anônimo disse...

Textos lindos !!!
Sabe escrever bem e possui um vasto conhecimento...
parabéns !!!

Obrigado por usar a foto :)

bjão

Anônimo disse...

já estava com saudades de teus textos reluzentes...tempos corridos...

Mas agora estou de volta...aos poucos...em passos lentos e preguiçosos...

abraços!!!

Junior Oliveira disse...

lindos estes texto!! vc foi uma agradável surpresa nesta noite, escreve maravilhosamente. obrigado!!

Sofia Reis disse...

O filme, citado no inicio, não seria "Algo como a Felicidade"?