14 outubro 2007

Pão nosso de cada dia

Foz do rio São Francisco, Alagoas


Magnólia saiu para jantar mesmo sem fome. Pensava em padaria embora não tivesse estômago para encontrar soluções. Os problemas teriam de acabar um dia, ela pensava. Um dia, padaria.

Sentou-se ao balcão e remoeu indecisão. Tantos pães diferentes poderiam resolver os percalços do mundo, ela pensou. De certa forma, saber que muita gente passava fome consolou-a um pouco. Ela, pelo menos, podia escolher o pão embora não pudesse fazer o mesmo com os problemas. Um dia, faria.

Pediu um francês, frios, suco de laranja sem gelo — de frieza já estava farta. Sem açúcar, de preferência. Necessidade urgente de acostumar-se ao amargo. Preparava a garganta para misturar tudo aquilo quando viu que alguém a observava. Será possível? Um dia, pararia.

Nada feito. Magnólia não acreditava no desassossego que aquele olhar lhe causava. A paz que procurava na refeição tinha virado farinha. "Algum problema?", tinha vontade de perguntar. Resolveu engolir seco. O suco não estava bom mesmo. Um dia, estaria.

Ignorava o olhar, o sabor, a resistência do estômago em digerir tudo aquilo. Levantou-se, foi até o outro lado do estabelecimento, lavou as mãos na pia para enxaguar a confusão. Não havia papel para enxugá-las. Um dia, haveria.

Voltou para o seu lugar, terminou o francês, os frios, parou de ruminar e finalmente decidiu: "algum problema?", perguntou, incisiva. "Todos", ouviu de volta. Calou-se. Descobriu-se. Percebeu que era só mais uma. Um dia, não mais seria.

E era isso o que ela mais queria.


6 comentários:

Ricardo disse...

Lobato dizia que remédio pra tudo é chapéu: coloca o chapéu na cabeça e vai caminhar, pensar na vida.

Como o uso desse complemento da indumentária caiu de moda, vc nos traz uma outra solução: padaria. Nada como um balcão de padoca, com aquele cheiro apetitoso de pão, pra fazer com que reflitamos nessa marvada vida...

Bacci e pane!

Bruno Peres disse...

Você acredita que eu estava assim hoje ???
Fiquei andando pela paulista sem saber o que fazer, ia um pra um lado, pra outro, mas nenhum lugar me satisfazia, nenhum resolvia os problemas da cabeça...
Mas uma andada na paulista sempre ajuda tudo hahahahahaha

Parabéns pelo texto kandy, esta muito bom
Bjão

Vinícius Rennó disse...

É até engraçado. Há um bom tempo, quando ainda não tinha o Devorador, eu já havia acessado a tua Janela, acho que através do blog do Inagaki. Não me lembro o motivo de não ter deixado um comentário naquela ocasião. Talvez falta de tempo ou falta de argumento, senão as duas coisas. Mas agora tenho a oportunidade de dizer que achei muito interessante a idéia de deixar idéias na janela tomando sol.

Apreciei muito receber a tua visita e os teus comentários. Esta Janela já faz parte da minha Dieta de Links, para a leitura nossa de cada dia. =]
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PS: Gostei mais da Idéia B, o provérbio chinês. ^^

Anônimo disse...

olá...obrigada pela visita ao eu blog!!! vou colocar um link do seu

Anônimo disse...

Oi Kandy! Só agora vi que vc comentou meu texto no blog do Marmota, hehehe! Obrigado! :D

Interessante a sua poéto-prosa! Vou tentar voltar mais vezes no seu blog. ^_^

Um abraço!

Anônimo disse...

texto tão melancólico de ler... mas lindo como sempre!
Beijos!