12 novembro 2007

Complexo de hoje

O gentil e talentoso Doda convidou-me para:
1 - pegar um livro próximo;
2 - abrir na página 161;
3 - procurar a 5.ª frase completa;
4 - postar essa frase em meu blog.

Aproveitei e escrevi sobre ela...



"Simplicidade e simplificação são características do pensamento racional."
5.ª frase completa da página 161 de O ócio criativo,
de Domenico de Masi



Todo mundo acorda de manhã pensando que a vida poderia ser mais simples. Pede um café simples na padaria, torce para que a prova da primeira aula seja simples, que sejam tomadas decisões simples ao longo do dia, que o chefe simplifique as coisas para poupar mais raciocínio, que o namorado ou a esposa entendam a simplicidade intensa que vai no coração dos cônjuges ou que tudo simplesmente caia do céu.

Entretanto, a gente complica um bocado. Faz tempestade em copo d'água, se apaixona pela pessoa errada, atravessa a rua fora da faixa, fura fila, esquece de pagar conta, leva multa, perde a hora e o guarda-chuva, esquece as chaves, polui o ar e a água só para poder reclamar depois de que não dá para respirar ou nadar, se mete em briga e ainda quer sair sem se machucar, fica adivinhando pensamentos que não são nossos e reagindo a eles como se fossem. A gente sofre apertado como se o mundo fosse uma caixa de fósforos.

Muito difícil tudo isso, tamanha confusão que vai na gente, redemoinho estranho de coisas contrárias que não se bicam por nada no mundo, mesmo com torcida. De um lado, uma vida simples, clean, que leva a gente à rua todos os dias usando roupa branca e levinha recendendo a sabonete bem cheiroso. De outro, sentimentos e comportamentos inconsistentes duelando num tabuleiro de xadrez enorme feito elefante, que a gente carrega com costas que não tem — é daí que vem o peso.

É disso que resulta a frustração: o querer é uma coisa; o fazer é outra. Querem ensinar coesão e coerência em aulas de redação, mas a maioria teima em escrever tudo errado; lutam pelos direitos humanos, mas o noticiário só traz desumanidade; pregam a alimentação saudável, mas não param de inventar guloseimas industrializadas que dão água na boca; criam cada vez mais entretenimento para ser desfrutado em um tempo que ninguém tem, quando é necessário trabalhar cada vez mais; desenvolvem cremes anti-rugas miraculosos para combater linhas de expressão que ganhamos nos cansando todos os dias do sempre.

E, se a gente parar para amar a pessoa certa, para atravessar na faixa, não poluir e esperar a vez chegar, perde mais um pouco daquele mesmo tempo que a gente não tem. Se tiver boa memória para pagar as contas em dia, lembrar onde deixou o guarda-chuva e as chaves, colocar o relógio para despertar e procurar a paz, entra num tédio sem tamanho e vira um daqueles quadradinhos em branco do calendário, que, curiosamente, serve para marcar o tempo que todo mundo quer ter um dia.

Simples assim.


Taking roots, de autoria de Christopher Ferris, é o nome do papel de parede que ilustra este post. Você pode encontrar este e outros deste fotógrafo aqui.

9 comentários:

Anônimo disse...

Ah, é simples de falar, né? Complicado de fazer, hehehe!

Anônimo disse...

Pra quê facilitar se dá pra complicar??? É mais ou menos como dizem: o que seria do bonito se não houvesse o feio? Temos que passar por momentos "ruins" para valorizarmos os momentos "bons" que nos acontecem! Até mais

Vinícius Rennó disse...

A coisas são realmente muito simples. As pessoas, estas sim complicam tudo - é o que sempre digo.

Sem querer mudar de assunto, mas já mudando...

Kandy, adoro o teu jeito de escrever. Por isso a convido a postar no meu blog sobre algum livro do qual guardaste uma lembrança boa, um gostinho memorável. Podes fazê-lo da forma e no estilo que preferir. O que me dizes?

Castor disse...

Olá, Kandy!
Pra variar, excelente texto, excelentes colocações!
A vida nada mais é, que um emaranhado de problemas...
Para comentar seu post, segue um poeminha saído do forno, feito especialmente pra esta ocasião:

Tendo-se olhos suficientes,
Todo problema é elementar
Porém os olhos eficientes,
Sempre tardam a olhar.

Até no pequeno problema,
Por sua própria definição,
Reside um grande dilema:
Para este, não há solução.

Se houvesse, não seria problema,
Seria mera constatação.
Pois a alma do problema,
É justamente, a interrogação.

Acho que não tenho muito o dom pra fazer poesia (acho que meu cérebro é demasiadamente linear), mas acredite, foi de coração.
Um beijo e um ótimo feriado!

Ricardo disse...

Simplicidade é algo complicado, por incrível que pareça.

Anônimo disse...

ahhhhhhhhhhhhhhh!
agora entendi porque sou matemática, rs... o simples não combina comigo!
bj,
da amiga que está viva,
Jana

Ariett disse...

Como é que a gente descobre que a pessoa é a certa para amar?

Anônimo disse...

Fiquei um tempo sumida aqui do seu blog, mas voltei para tirar o atraso. :)

Como eu queria algo mais simples novamente. Até estava simples, mas tudo complicou-se. Acho que nós acabamos complicando demais mesmo. Ou deixando os outros fazerem isso para nós.

Mas acho que tudo fácil demais acabaria sendo tedioso por demais. É bom lutar por algumas coisas... =)

André Martins - ajandremartins@hotmail.com disse...

E a quinta linha, da página 161, de "Crime e Castigo" Dostoiévski: "Mas isso será uma saída? Demais, vem tudo a dar no mesmo"
Simples ou complicado, silêncio ou escrita, certo ou errado, não é a gente que dá o sentido? Não vem tuda a dar no mesmo?