16 fevereiro 2008

Bagagem

Praia das Castanheiras — ES


"And love is not the easy thing....
The only baggage you can bring
Is all that you can't leave behind"
U2 - Walk on

Deixar alguém partir é sempre dolorido. Isso vale para aquele amigo legal que vai embora tentar a vida em outro país, para aquele que achou a gente sem querer, nos desmonta só de olhar para a nossa cara e vai embora por não nos querer mais, para os amigos de faculdade que seguem o dia-a-dia deles sem a nossa participação quando o curso termina, para os colegas de trabalho, quando deixamos um emprego, que aturaram anos a gente vestindo meia dúzia de roupas diferentes que eles gentilmente fingiram ser um guarda-roupa Armani. Serve para pessoas inesquecíveis que viajaram conosco mas de quem hoje mal nos lembramos o nome, e, na pior das hipóteses, infelizmente, serve também para quem parte para sempre, e sempre mais cedo.

Dizer adeus, ainda que por um certo tempo, vai muito além de um abraço e de um aceno carinhoso de tchau, de um beijo de despedida angustiado e já saudoso pelo dia de ser repetido, de uma carta de até breve ou de demissão, de lembranças boas que tivemos com quem se foi. Exige uma confiança no futuro que ninguém tem. Uma entrega resignada ao que está por vir que ninguém quer. E é isso que causa o nó na garganta tão característico dos momentos de despedida, esse imenso ponto-de-interrogação que engancha tudo o que de pleno temos com quem vai embora e joga-o para o ar, para ver no que dá.

Aquele que morreu nunca mais vai voltar. As pessoas que estudaram conosco talvez nem sigam a profissão, os que viajaram com a gente já somem no final da viagem e aquele que partiu nosso coração e foi embora num pra sempre mais eterno que a nossa idéia de eternidade talvez se case, talvez não; talvez nem se lembre mais da gente daqui a uma semana, talvez não; talvez viaje para o Alasca e decida se estabelecer por lá, talvez não. São todos esses talvezes que fazem da despedida um momento difícil, trazendo à tona um egoísmo todo próprio que faz desejar a cada minuto que a pessoa fique, viva, continue perto.

É em momentos assim que a vastidão do mundo mais assusta, porque parece que ele fica gigante e, mesmo globalizado, assume distâncias intransponíveis. É aí que todas aquelas lições de probabilidade e estatística que tivemos em Matemática adquirem a forma fantasmagórica de hipóteses quase reais. E se a pessoa nunca mais voltar da experiência no exterior? E se nunca mais retomarmos o contato com as pessoas maravilhosas com as quais trabalhamos? E se aquela nossa cara-metade realmente especial que não sabe que é especial nem nossa cara-metade ou cujo livre-arbítrio tem um espírito aventureiro demais realmente se casar ou for morar no Alasca?

Tudo o que nos resta é aprender a ter saudades. E, para aqueles com memória extraordinária, como eu, nem perder tempo tentando esquecer, superar, não pensar, deixar para lá, pois essas pessoas que se vão e que de alguma forma marcam a vida da gente passam a fazer parte do que nos tornamos.

Porque ninguém continua sendo o mesmo depois de um adeus.

14 comentários:

Unknown disse...

Kandy,
Sou novata no sentido de visitar o blog, mas não menos encantada com seus textos, como os comentários que vi, e mais textos seus em outros blogs, como o devorador de livros.
Você traduz como poucas pessoas a alma através das palavras, parabéns!
Será um dos meus sites favoritos!
Parabéns e obrigada por nos presentear com momentos de reflexão e leveza!
Michelli Fialho
michellifialho@hotmail.com

Unknown disse...

É...
Dizer tchau é difícil...
Pensar que talvez você nunca mais verá a pessoa de novo...
Mas, é a vida!

Bruno Peres disse...

O medo da intabilidade as vezes nos impede de viver, preferimos sempre manter o seguro ao imprevisível.
Apesar de ser redundante essa frase, tenho que dizer : Muito bom o seu texto.

saudades

Anônimo disse...

=~~

me emocionei muito com esse seu texto, Kandy.

Estou vivenciando um momento de adeus muito mais comprido do que eu poderia imaginar passar. A saudade dói e os talvezes só não são insurportáveis porque ainda estou aqui.

Lindo.

Anônimo disse...

Boa Noite!

E como a "Laís" aí em cima, também estou vivenciando um momento "Adeus", e dói, como dói... Vira e mexe me pego pensando naquela pessoa, que sem mais sem menos, foi embora e nem Adeus disse. Fico me perguntando "porque?" disso acontecer, criando esperanças falsas de que um dia a gente se reencontre - quando o bom humor vêm me visitar -. Mas é o que dizem "People come and go"

Bom, parabéns pelo seu lindo Texto!
Não só esse, mas como os váários que já li aqui!

Até!

Cléu Sampaio disse...

E eu que achava que deixar ir era o mais doloroso, agora me pego com medo de ir (e deixar). Tentando não antecipar o nó na garganta, que pode ser adiado mas é inevitável, né?

Beijo.

Ariett disse...

Concordo. Ninguém continua sendo o mesmo. A gente sempre fica mais triste. Talvez mais adulto (o que nem sempre é algo bom).

Vinícius Rennó disse...

Identifiquei-me muito com esse adeus ao amor...

Um beijo no meio da testa! =*

Balu disse...

Concordo plenamente, ninguém continua igual depois de um adeus, mas é assim que crescemos e nos tornamos mais fortes. São as perdas que nos ajudam a valorizar as presenças, aquelas presenças de verdade!

Gostei muito do texto...

Beijinhos de Portugal!!

Kátia disse...

Muito bonito o texto! Realmente, dizer adeus é muito difícil... Parabéns pelo blog! :)

Unknown disse...

Kandy querida,
por mais doloroso que pareça, um adeus é coisa transitória, esteja certa...
Amei o post, (bom gosto o seu: versos do U2, rs).
Bjs

Ricardo disse...

Por mais que eu saiba que as despedidas são passageiras - sempre a pessoa permanecerá em nosso coração - sei como isso fere. A sensação de perda é algo com que ainda não nos acostumamos.

Bacci.

Anônimo disse...

Olá Kandy
Conheci o seu blog visitando o blog do Ricardo (boa semana e outras histórias), que conheci visitando outro blog... rs
Seus textos são maravilhosos, você é uma pessoa muito talentosa. Parabéns!
Adorei o texto que escreveu sobre o beijo (Linguagem - postado em 08/12/2007), gostaria muito de poder postá-lo no meu blog. Isso seria possível? Espero que sim. Aguardo uma resposta sua.
Obrigada!

Anônimo disse...

Oi, Kandy
Obrigada pela resposta... Fiquei muito feliz! Vou colocar os créditos, mas depois você pode dar uma olhadinha e ver se tá em conformidade com o que deve ser, ok?! Qualquer coisa, vc me avisa?
Com certeza virei visitá-la muitas vezes.
Qdo quiser, dê uma passadinha no meu outro blog:http://pensarnuncaedemais.blogspot.com.
Mais uma vez obrigada.
Bjns e bom fim de semana