04 março 2008

Doença crônica

Paripueira - Maceió, AL


O gosto de vinho ainda permanecia na boca pasma. O resto de amor continuava ofegante, apertando o peito. O gosto e o resto misturavam-se em sentimentos confusos, e a confusão tornava o gosto ainda mais ácido, e o resto, mais enorme.

Ele queria ter dito o que pensava naquele instante de analfabetismo, mas tudo o que conseguiu dizer foi silêncio. Ela queria ter sido tomada por certa compreensão gigantesca, mas tudo o que conseguiu compreender foi bobagem.

Embora trocassem olhares de pena recíproca, tinham mesmo era desejo de abismo. Em horas assim, sabiam que só a escuridão tem um abraço reconfortante, capaz de apagar todos aqueles cacos de indiferença que cortavam os passos. Passos que poderiam ter ficado para tentar reconciliação, mas que preferiram ir embora enroscados em solidão.

O gosto, o resto, os cacos, os passos. E tudo o mais pingava, numa homeopatia besta.

Amanhã estariam curados.


16 comentários:

Balu disse...

Mas o gosto, o resto, os cacos e os passos poderão fundir-se e criar um novo caminho, com novos gostos e novos passos... esquecendo o resto e os cacos que se enterrarão no passado.

Que assim seja!

Beijinhos

Castor disse...

Se não curados, ao menos devidamente medicados.
O tempo tem dessas: Algumas vezes é, se não o único, um excelente antídoto.
Mas convém não exagerar na dose. Afinal, tudo é letal. Depende apenas da concentração...
E é justamente pelo tempo, este adversário implacável, que todos costumam querer partir:
Fartos de dias.

Muito bom o texto! Parabéns.

Vinícius Rennó disse...

Pulcro!

Podes até não concordar comigo, mas vejo certa beleza na tristeza.

Um beijo de elfo-barbudo no meio da testa! =*

Anônimo disse...

brilhante.
minha cidade :)

Kandy disse...

Nossa, adorei ver tanta literatura na caixa de comentários! Vocês todos assim, tão poéticos... Obrigada! Raphael, a sua cidade é um dos lugares mais deslumbrantes que eu já conheci, onde tirei muitas das fotos mais bonitas e de que mais gosto. Realmente inspiradora. Você é abençoado por poder chamar Maceió, por quem eu tenho muito carinho, de "minha cidade". Fico lisonjeada com uma visita alagoana aqui no Idéias!

Anônimo disse...

Kandy, sempre escutamos que o tempo cura mesmo :(

Ricardo disse...

Triste, mas com toda a melancólica beleza que a tristeza traz consigo.

Anônimo disse...

Fernando Pessoa diz: "Graves... como convém a um Deus e a um Poeta..." Kandy tem esta gravidade, às vezes... enquanto faz poesia em prosa... com todo este sentimento e essa intuição crítica do mundo e essa infindável curiosidade pelo humano ("demasiado humano" ?)...
Parabéns! Seu amigo, Lárimer.

Unknown disse...

fúria?

Kandy disse...

Não, não, alê, é só literatura mesmo. Eu sou calminha... ;o)

Anônimo disse...

Fim de caso, já diria Dolores Duran, salvo engano.

beijos!

Anônimo disse...

brilhantemente lindo !

Anny disse...

Adoro sua pintura com palavras. Muito bom. Um quadro perfeito.

Paulo Netho disse...

Olá, Kandy

Gostei demais da sua janela, parabéns!

abraços

Paulo Netho

Cléu Sampaio disse...

Desde que este texto foi publicado eu venho aqui, passo os olhos, mas não leio. Sabia que ia doer e tava certa.

Anônimo disse...

Belissimo texto Kandy!

Sou leitor assiduo, porem nem sempre comento tao assiduamente...

Como alguma leitora ai em cima disse, os quadros que voce pinta com palavras sao lindos! De fato, digo que voce consegue fotografar uma alma, e depois descreve-las com retalhos de palavras.

Continue o bom trabalho! Espero ansiosamente suas atualizacoes!

Abracos!

PS:Perdoe a acentuacao. Teclado americano... ;)