16 dezembro 2006

Que presepada!

Depois das cartas ao Papai Noel, outra tradição natalina com a qual sempre convivi foi o presépio. Minha mãe capricha todos os anos, colocando a criatividade a serviço da fé.

Então, assim como os vários natais maravilhosos que tive, também tenho algumas presepadas para contar, pois, como minha mãe, sempre fui deveras criativa.

Uma vez, não sei qual era a minha idade, minha mãe conta que eu coloquei todas as peças do presépio para dormir. Decerto eu devia achar aquilo estático demais; cansativo todo mundo ali de pé daquele jeito, por dias e dias a fio. Coitados! Na dúvida, deitei todas as peças: pessoas, porcos, perus, ovelhas, vaquinhas... acho que só poupei as árvores.

Minha irmã mais velha já foi mais prática, como é até hoje: enquanto eu queria dar descanso à humanidade ali representada, a Kelly achou por bem fazer uma fila, porque já estava mais do que na hora de aquele povo se mexer para ir visitar Jesus. Como o presépio tinha dois ou três níveis ligados por rampas de madeira cuidadosamente cobertos de papel-pedra, formou-se uma enorme fila de pessoas, porcos, perus, ovelhas e vaquinhas, um atrás do outro, numa romaria digna de Aparecida.



Não bastasse todo o exposto (que fazia minha mãe ficar de cabelo em pé por ter de arrumar tudo de novo, cada peça em seu devido lugar), numa bela quinta-feira — me lembro bem do dia da semana porque era dia de feira na minha rua, o que só ocorria às quintas — eu e minha honorável e sábia irmã mais velha decidimos pôr em prática nossos ensinamentos cristãos. Havíamos ganhado uma vela cada uma, presente de nossa mais-sábia-ainda-avó. A minha era de estrelinha; a da Kelly, de coração. Então, na calada do dia, fomos acender a vela para Jesus, feito aquelas crianças meigas e gorduchas (a Kelly, não eu) estampadas nos cartões natalinos.

O único porém foi justamente a ingenuidade da infância. A gente só ganhou as velas e nada mais. Então, foram apenas as velas e nada mais que pusemos, acesas, sobre aquele pasto verde lindo feito de serragem, onde ficavam aquelas ovelhas branquinhas.

Um tempinho depois, a chama da fé, sempre tão poderosa, desprendeu-se de vez de nossos corações e manifestou-se, imponente, na sala silenciosa.

Estávamos almoçando quando alguém irrompeu a cozinha gritando “fogo! fogo!”, num desespero pra lá de aflito. A fé tem mesmo dessas coisas; as pessoas se comovem entregando-se de alma e tudo.

Eu e a Kelly tínhamos colocado fogo no mundo. Aquilo ali estava parado demais...


9 comentários:

Anônimo disse...

Kandy...
coitada da sua mãe, você deixou sua casa em chamas.... aahahahhaahhaha
Mas concordo com você.
Aquilo era parado demais... hahahaha

bjs

Ricardo disse...

A cada texto vc me surpreende pela verve, pelo humor, pelas frases perfeitamente construídas e pelo jogo de palavras que vc monta e nos encanta. Parabéns.

Eu já conhecia de "ouvido" essas histórias, mas lê-las foi outra agradável surpresa.

E continuem botando fogo no mundo, que precisamos dessa chama que vcs têm dentro de si!

Bjs

Anônimo disse...

VOCÊS ANTECIPARAM O APOCALIPSE...RSRSRSR. Amei.
beijos

Anônimo disse...

Meu, eu q sempre AMEI incendiar partes da minha casa, adorei o texto!!!
Muito bom!!!
beijinhos,
Jana

Anônimo disse...

Como toda mãe - supreendi-me com a "criatividade" dos meus filhos...Tudo bem que vez ou outra dava vontade de arrancar os cabelos...mas passava logo...
Todos dormindo no presépio me fez rir um bocado...(claro...vc. adorava dormir, deitadinha na sua cama, por quê as coitadas das personagens ~do presépio não poderiam fazer o mesmo?)
A fila indiana...foi ótima...bem que eu tb. achava que todos deveriam visitar Jesus...(A Kelly foi esperta o bastante pra descobrir isso por si só...todos devemos ir até Jesus!)
Mas o fogo!!!Ah! esse foi cruel...Ver a minha "obra de arte", arduamente construída durante as madrugadas, em chamas...me fez chorar! Aquele ano não houve presépio...Durante o ano seguinte eu precisei, pacientemente, pintar cada figura, tentar salvar as cercas, as árvores...tudo meio destruido pelo fogo e ...pela água que jogamos para apagar o fogo!!!Foi cruel!!!
Mas...como vc. disse: a chama da fé não pode ser contida!!!!

Anônimo disse...

Hahaha! Kandy, que ótimo relato! Na minha casa não há árvores de Natal há anos, mas confesso ter lembranças legais de alguns Natais, até meus 8 ou 9 anos.

"Aquilo ali (o mundo) estava parado demais" foi ótimo. Que final apoteótico! :P

Beijos. :-)

Perdida disse...

Minha mãe se encarregou de deixar em mim e minha irmã uma imagem natalina gostosa, dentre outras: em meados de dezembro os vagalumes apareciam aos bandos pelos bosques e terrenos baldios da pequena cidade em que nasci. Ela nos levava lá, com "lanternas" de papel crepom ou mesmo vidros de tampas furadas. Caçávamos e colocávamos os insetinhos delicadamente dentro das nossas pequenas lanternas, que passavam a noite na mesinha de cabeceira. Durante a noite fazíamos pedidos e pela manhã soltávamos todos para que levassem nossos pedidos ao papai-do-céu.
Hoje espero meu primeiro filhotinho. Sei o quanto esses pequenos encantos foram importantes para mim e a despeito de há muito sequer armarmos árvores de natal e presépio, quero retomar tradições, para o deleite dele e meu também.
Belo texto o teu.

Perdida disse...

Você é bastante generosa nos comentários, obrigada :)
Gostei muitíssimo do teu estilo e dos teus textos.
Será um prazer também tê-la listada no meu blog, que ainda é um bebezinho. Ainda estamos nos descobrindo.
Obrigada pela visita!
Um beijo.

Anônimo disse...

Kandy,
Definitivamente seus textos são os melhores que já vi. Sua sensibilidade e a forma estupenda com que demonstra isso nos seus textos me encantam.
Feliz Natal!!!