Colocar as ideias na janela é deixá-las à vista, tomando sol, para não embolorarem por ficar guardadas por muito tempo. É abrir-se para o mundo sem cadeados e trancas. É dividir o olhar com o "lá fora", num intercâmbio de interiores, trocando horizontes.
04 abril 2007
Socorro, não. São Paulo.
Parado, aí, irmão! Vai dando tudo! O que quiser a hora que quiser. Todo tipo de gente, todo tipo de comida, de banco, de igreja, de diversão. Tudo que é religião. Gente circulando o tempo inteiro, de janeiro a janeiro. Pressa, impaciência, toda sorte de indecência; barulho, entulho, moçada estranha negociando bagulho; buraco na rua, lixo na rua, menino de rua, outdoor de mulher nua (tá pra acabar: o outdoor, não a pobreza — que beleza!), e prostituta e travesti. Caramba! O que é que eu tô fazendo aqui?! Lugar que alaga, mar de gente, enchente! Fecha esse vidro, olha pro lado, entra à direita, tá tudo parado! Parado aí, irmão, vai dando tudo; não tenho emprego, mas tu tem canudo! Tudo sujo, impregnado. Toma cuidado! Tudo por aí, espalhado: indiferença, anonimato. Olha que eu te mato! Tudo chato, descolorido. Tu é bandido? Olha a lombada, camarada. Afe, furou o pneu! Vixe, quem foi que morreu? Tia, eu não tenho nada, sou favelada, compra minha bala? Bala de menta, de hortelã, ardida. Bala perdida. Respeite o pedestre, não pare na faixa, a Zona Azul bem que podia ser de graça... Mas parou em fila dupla, dá-lhe multa. Preciso de salário nessa terra de trabalho. Cê é otário?! Puta que o pariu, minha carteira sumiu! Roubo, polícia, briga de motorista. Não vem pra cima de mim! Tá achando que meu dinheiro é capim? Música alta, terno e gravata, muita tecnologia. Orgia. Centro de compra, motel, arranha-céu; chave de carro roubado é troféu. Multa, rodízio, radar. Com quem que eu tenho de reclamar? Urbe eclética, cheia de madame, não adianta mais arame. Farpado. Tudo agora tem alarme, câmera, monitoramento. É tudo movimento, moda, museu, exposição. Da figura. Malabarismo no farol, tô suando nesse sol! Formigueiro descendo na rodoviária. Um monte de horas pra alcançar a praia. Caminhão pra todo canto, poluição, desencanto. Moto à toda, ambulância, viatura. Se situa, criatura! Fica na sua, mané! Não tá vendo meu retrovisor, qual é?! Tempo é dinheiro, tudo é mercado financeiro, cidade mais rica do país, mas tua vida aqui tá sempre por um triz. Noite badalada, vida agitada. Cadê a calçada? Todo tipo de entretenimento. Vai passando o documento! Jogo do Curíntia e do Parmera, pastel de feira. Puta loja careira! Roupa de grife. Passa tudo, patife! Estresse, desconforto. Me acudam que eu tô ficando louco! Aeroportos, caos, avião. Pra nada dão explicação. Tudo é longe, a gente demora pra chegar. Claro, claro, eu dô uma passadinha lá. Sai da frente sua lerda! Por que é que eu ainda vivo nessa merda?! Dois suflé, um real. Faço quatro, cinco, mil. Deiz real, onde já se viu?! Drama cotidiano de todo santo paulistano. Metrô lotado, trânsito engarrafado; macetes, cacetes, surra, gastura. Saber onde anda, saber onde alaga, trabalhar feito camelo pra saber o que paga. Paciência. Violência. Cumpadi, tenha piedade, me dá uma moeda? Deixa eu lavar teu vidro? Precisa, não, amigo, fica pra próxima. Oportunidade.
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15 comentários:
Ei, Kandy.
Passei diante da janela pra te dar um beijo e, por coincidência, você estava falando no assunto. Ou será que não existe coincidência? Seja como for, tome este beijo, e mais este, e mais este, e mais este. São todos seus.
Sérgio Klein
Olá Kandy!!
Perante o teu belo texto só consigo dizer que, com algumas limitações, é certo mas... eu gosto muito de morar na minha aldeia!
Tu sabes o quanto vale este sossego e esta paz!
Até breve
Beijinhos
Sara
AAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHH!!!
Haja prática de ioga, curso de meditação, técnicas de respiração, terapia, música de relaxamento, ...
Fiz um teste sobre nível de estresse ontem e o resultado foi "estado de alerta".
É, para ficar inteiro nesta cidade, só mesmo em estado de alerta! :-)
Amei o texto, é musical!!
Beijocas,
Tereza
uhuuuuuuuuuuu
temos q respirar fundo antes de lermos esse retrato da Paulicéia Desvairada, né?
rs...
bjs
Gostei sim. Acho que todos nós temos nossas histórias de beijos não dados. Aliás, só fiz a referência porque gostei. :)
Kandy,
Gostei do texto. Ainda não tinha lido um texto seu assim.
No Rio, o "parado aí, irmão! vai danto tudo" tem mais graça. Por lá, eles dizem "perdeu, perdeu".
Risos.
Beijo,
Leo
Realmente, Kandy, cidade grande é uma loucura..
o que estamos fazendo aqui???
Uma crônica com o mesmo ritmo da cidade... Que delicia.
Por isso tudo que eu sonho em morar em Fortaleza...
é uma honra pra mim vc como assídua no meu blog
abração
adoro seus textos tb
kandy...
muuuuuuuuuuuuuuuuuuito bom !!!
ta maravilhoso esse texto.
è tão contratitório, mas apesar de tudo isso, eu amo essa cidade.
Apesar de vc saber minha opinião sobre sua "sãopaulofobia", concordo com suas palavras. Mas a pergunta que não quer calar: vc vai lançar CD de rap? rsrs
bjs e boa Páscoa!
O Rí disse tudo!
Esse texto dá um rap e tanto!
BJKS
adorei!
eu tenho uma implicância com rimas, em mãos erradas elas produzem tragédias monumentais (ou bem divertidas, de acordo com o referencial adotado), mas aqui elas estão absurdamente redondas em todas as direções.
pô, em 15 minutos já to muito fanzoca bobo desse seu blog, se lançar camiseta eu compro.
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