09 janeiro 2008

Você já viu esse filme


O filme começa com ele correndo atrás dela. Ele quer se desculpar; ela não escuta. Eles brigam, fazem as pazes; ele sempre de bem com a vida; ela sempre encanada, tentando descobrir a si mesma. Com todo o amor do mundo, ele a ajuda mandando-lhe cartas que deixou escritas antes de morrer, ao final das quais deixa sempre um "P.S.: eu te amo".

Parece um enredo superficial que serve de pano de fundo para um romance água-com-açúcar. Pode até ser para alguns. Realmente, não é aquele tipo de filme profundo, a que a gente termina de assistir achando genial, mas, depois de conhecer histórias assim, é comum ficar reflexivo. Talvez sejam as lágrimas que trazem à tona mais emoção. Não tenho vergonha de chorar no cinema com histórias de amor sincero.

As mulheres são mais sensíveis a esse apelo romântico, até porque os personagens masculinos da película são todos lindos, simpáticos, fiéis, de bom caráter e boa intenção, além de um sorriso perfeito, e as cenas gravadas na Irlanda são realmente inspiradoras, com aquelas paisagens que levam a gente a pensar que o mundo parou e que só venta ali, lugar tingido com tons de verde que não existem em nenhum tubo de tinta.

Embora esses sejam ingredientes manjados e muito bem utilizados por roteiristas e diretores que desejam conquistar a platéia — e eu tenha plena consciência disso —, o filme cumpre o objetivo: eu queria um amor daquele, cartas daquelas, um P.S. daqueles, um olharzinho sincero que fosse, um primeiro beijo como o dos protagonistas, a roupa colorida dela, o cheiro de homem dele, um abraço gostoso, apertadinho e espontâneo sem motivo — e sem precisar pedir, aconchego, falas inteligentes em diálogos divertidos.

Os produtores do filme fazem de propósito: criam deliberadamente todo o enredo para causar inveja na gente, plantando aquele sentimento de insatisfação pelo fato de a nossa vida não ser assim, aquele mar de rosas, tudo azul, e ter poucas probabilidades de o ser. Quando dei por mim, invejava o casal sentado ao lado, mesmo ela usando um vestido fora de moda namorando um fulano mais ultrapassado que o vestido. Ela ria alto do que nem tinha tanta graça assim; fazia perguntas idiotas que ele respondia pacientemente, com ares de "o que seria de você sem mim?". Minha inveja mais idiota que aquelas perguntas era do jeito que ele abraçava ela, aceitando-a mesmo com aquele vestido, e da sorte daquela moça em poder ter a quem fazer perguntas quando quisesse, recebendo respostas doces em troca.

O mais curioso é que, ainda que eu invejasse a moça, que, a meu ver, é feliz ao modo dela, ela invejava a Hilary Swank da tela, querendo ter, como ela, o mesmo colo protetor ao qual recorrer, o mesmo bom humor dedicado fazendo graça para ela em karaokês, a mesma voz bonita cantando para embalar seu sono.

Do mesmo modo, é provável que, atrás de mim, alguém estivesse invejando a minha condição: o poder da escolha (vamos fingir que ele existe), a independência, a audácia de ir assistir a um romance sem a companhia de um amor, a desenvoltura e capacidade de escrever cartas melhores que aquelas do filme, embora com P.Ss idênticos.

Por que o filme dos outros é sempre mais bonito?

Porque a vida dos outros é sempre a Hollywood que a nossa não consegue ser, por mais que nos esforcemos. E é por isso, só por isso, que vamos ao cinema.

8 comentários:

Ricardo disse...

Kandoca, a velha história de que a galinha do vizinho sempre é mais gorda.

Cléu Sampaio disse...

Você me fez chorar.

Anônimo disse...

"Eu queria um amor daquele, cartas daquelas, um P.S. daqueles, um olharzinho sincero que fosse, um primeiro beijo como o dos protagonistas, a roupa colorida dela, o cheiro de homem dele, um abraço gostoso, apertadinho e espontâneo sem motivo — e sem precisar pedir, aconchego, falas inteligentes em diálogos divertidos."
Você traz sensações, emoções, é sempre bom.
Beijo

Bruno Peres disse...

CINEMA
A minha paixão, talvez a minha vida.
Sentado no escuro, sozinho, bem acompanhado, mal acompanhado, com aquele feixe luz projento minhas fantasias, frustações, desejos, tristezas, alegrias.
Naquelas poltronas, eu me sinto em casa.

Lindo texto, traduzindo em palavras as imagens vistas na tela... isso você realmente faz como ninguem...

Parabens kandy

saudades

Anônimo disse...

Oi Kandy!!!

Assisti ao filme, também sozinha....não invejei a mocinha do filme....mas saber que existem amores assim, me faz muito bem....e acreditar que ainda é possivel!
Chorei muito no filme também....mas não por não ter um amor, mas por me lembrar de uma amiga que amo muito,e passou por essa mesma situação....e que devemos SIM ...RECOMEÇAR SEMPRE.....

Estou com saudades....

Bjs

Anônimo disse...

Bem...
Eu já ví esse filme. E não foi no cinema.

Anônimo disse...

Eu não sei se te elogio ou se te ignoro!!!

Mesmo assistindo o filme com vc.. e lendo esse texto logo depois de vc ter escrito..

Não me senti como estou me sentindo agora.. Meio vazio por dentro, cheio de lacunas...

Mas uma vez.. vc me fez chorar.. vc tem o dom neh??? rsrsrsr

Acho que esse trecho resume minha situação no momento:

"...eu queria um amor daquele, cartas daquelas, um P.S. daqueles, um olharzinho sincero que fosse, um primeiro beijo como o dos protagonistas..."
"...um abraço gostoso, apertadinho e espontâneo sem motivo — e sem precisar pedir, aconchego..."

Tente me enteder Querida!!!!

P.S. Eu Te Amo

Anônimo disse...

Dizer que admiro seu blog é chover no molhado, uma vez que já disse isso.

Mas vc expressou exatamente o que senti quando assisti esse filme, um vazio, uma lacuna enorme...e ao mesmo tempo tive a esperança de que histórias assim realmente podem exisitr, nem que seja apenas em Hollywood...

Bem, a grama do vizinho sempre é mais verde que a nossa né?

É a vida.
Beijos.