07 junho 2009

Tormenta

O amor de propaganda, aquele de fazer inveja, é plural: exige dois. Há quem tem a sorte da reciprocidade, como há quem é fadado a suportá-lo e só. Só.

Porque o amor esquece de começar. Ele se instala intruso dentro da gente. E fica lá incomodando, sem se ajeitar, acotovelando até olharmos para ele e dizer: “ok, ok, o que é que você quer?”. Atormentar, ele deveria responder. Se fosse sincero, se jogasse limpo, se tivesse coragem ou vergonha na cara. Mas, que nada! É mudo, o desgraçado. Chega sorrateiro e dissimulado, olhando de canto de olho e pálpebra semicerrada.

Se avisasse da chegada, feito parente malquisto, talvez fosse ignorado. Arranjaríamos desculpas para não o receber. Deixaríamos a casa vazia de propósito. Não atenderíamos mais o telefone. Sumiríamos antes que ele sumisse com a gente.

Porque o amor, às vezes, é inconveniente – e indesejado. Trança as pernas de quem sempre teve passos sólidos, faz faltar o ar mesmo àqueles que sempre tiveram fôlego de atleta e, o pior: idiotiza a objetividade de um jeito irritantemente neblinoso.

Sem aviso prévio, desestrutura tudo. Embaraça. Denuncia. Embesta. Distorce. Engana. Emudece. Desmemoria. Diverte-se à nossa custa. Rola de rir, essa é a verdade, enquanto muda nosso espelho de lugar e solta de nós nossa sombra, para ver-nos ilha, sem referência, num constante e agora.

O amor que se esquece de começar quer uma emoção que não queremos ter. Vira uma queda de braço*. Tira o sono, inquieta, martiriza. É uma aflição esperançosa que parece nunca parar de esperar.

Escraviza.

Enerva.

Persiste.

Piazza San Marco - Veneza



P.S. 1: O amor esquece de começar é o nome de um livro, cuja leitura recomendo, escrito por Fabricio Carpinejar. A rima é natural assim.

P.S.2: O Ideias na Janela pode ajudar você a entender a nova ortografia: os substantivos compostos com algum termo de ligação (de, com, para, em etc.), exceto se espécies botânicas ou zoológicas, perderam os hifens. Por isso, "queda de braço", "mula sem cabeça", "maria vai com as outras", "perna de pau" etc. escrevem-se assim agora. Ficaram (como sempre!) algumas exceções, que mantêm os hifens: água-de-colônia, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia (os outros pés perderam os hifens) e arco-da-velha.

15 comentários:

Unknown disse...

Hola Kandy,
Muchas gracias por la clase de portugues.
Además del belisimo texto, me ha aportado mucho las informaciones respecto de los cambios en el idioma portugues.
Gracias,

Pattiê, disse...

Lindo o seu texto, e inspirador... mas não pude deixar de pensar, quando terminei a leitura: mas ainda bem que ele chega! rsrs. Porém, amor que se esquece de começar nada mais é que paixão que não quer se comprometer - e essa é a minha opinião. E o chamado platônico - onde teoricamente não há a reciprocidade - exige dois, de qualquer forma, pra existir. Senão seria um amor narciso, um "auto-amor", ou o que seja... rsrs

Enfim... elucubrações de uma terça fria.

O que vale é que o texto é lindo, e ponto.

Glaucia disse...

Oie
Esse foi o livro que te dei?
Que bom que vc gostou e indica!
BJKS

Vinícius Rennó disse...

Eu gostava dos hifens. =(

Quanto ao amor que não se anuncia, acho que isso se deve à sua timidez ou à sua forma de chamar atenção.

Já estava com saudade de teus textos.

Um beijo no meio da testa! =*

Eduardo - Recife disse...

Muito bacana seu texto...sempre te acompanho e fico na expectativa do que vem por aí heheheee
Bjos!!!

Kandy disse...

Eduardo, eu amo Recife! Fico feliz em saber que alguém daí me lê. Obrigada! Vinícius, eu também gostava dos hifens, é um sofrimento, ainda, pra mim, abdicar deles. Aí, lembrei-me de que não havia posto as exceções... e já complementei a nota. Logo, logo dou notícias decentes -- se não morrer de estresse antes! :o( Bjos!

Vivian disse...

Oi Kandy,

Hoje foi a primeira vez que entrei no seu blog e simplesmente viciei. Há vários textos descrevem o que eu venho sentido. Infelizmente não desenvolvi esse dom de transportar sentimentos para a escrita e por isso gostaria de saber se você teria algum problema em dar alguns 'ctrl c + ctrl v' no seu blog.
Eu criei um blog, para postar textos que eu gosto, que me identifico e gostaria de postar alguns seus.... Os posts ainda são poucos, pois ainda preciso pegar prática no mundo blogueiro. Seu nome estará sempre abaixo especificando que são de sua autoria, já que todos os textos do blog são e serão assim.
Tenho permissão?
Bjs e parabéns pelo blog!

Kandy disse...

Vivian, obrigada pela visita! Pode reproduzir os textos no seu blog, sim, sem problemas. Peço apenas a gentileza de colocar, além do meu nome, o link dos textos (basta clicar sobre o título deles que o endereço completo aparece no navegador). O mundo blogueiro é fascinante e permite conhecermos muitas pessoas legais. ;o)

Patrícia Carvoeiro disse...

Que texto mais lindo, Kandy. De ler e reler muitas vezes. Parabéns. :)

elke julie disse...

Olá Kandy! Também me viciei no teu blog. Vou aproveitar que estou de férias e ler alguns livros que você menciona. Parabéns por nos provocar tantos bons sentimentos! Um abraço!

Pautas disse...

Nossa Kandy que lindo!! Você está apaixonada?...pelo que vi você anda viajando muito!! Fique tranquila não vai morrer de stress. Mas, cuidado para não "estafar". É bom ler seus textos! Obrigada!! Tenha um ótimo fim de semana! Beijos!

Gabrielle Andrade
Uberlândia-MG

Clara Sousa disse...

É a primeira vez que entro no seu blog de inicio me chamou a atenção o nome do mesmo pois eu adoro janelas rsrsr!!
E segundo, seus textos são muito lindos e em alguns que tive oportunidade de ler,eram exatamente o que eu queria dizer ou ler....
Parabéns pelo blog Kandy!!
beijos e um belo domingo!!

Jamylle Bezerra disse...

Belo texto. Foi buscar lá no fundo do coração a inspiração. Parabéns, belas palavras!

Alanna Costa disse...

Lindo lindo. Irei copiar para meu blog e colocar o link ok?
Bjus

Alanna costa

Ricardo disse...

Ué, esse texto se perdeu no limbo de minhas visitas.

Como sempre, apenas reforço a admiração pelo que vc escreve, mesmo que nossas idéias sejam divergentes. Qdo leio suas histórias me lembro daquele causo de que a escultura é a mais fácil das artes, afinal a obra está dentro da pedra, basta retirá-la.

Vc faz isso com a escrita; parece que vc tem mais uma gavetinha dentre as mil dos teus armários, e de lá retira cada palavra, cada imagem, com a naturalidade que Nastácia frigia um bolinho de chuva ou estendia a roupa no quarador.

E nós, que temos a ventura de ler suas palavras, ficamos assim, tentando escrever um comentário que seja minimamente decente. No meu caso, sem sucesso.