20 agosto 2006

Contemplação

Era um senhor septuagenário. Àquela altura da vida, passava o dia sentado em um banco improvisado, em frente à sua casa, vasculhando com seus imensos olhos azuis tudo aquilo que por ele ousasse passar. Às vezes eram pessoas; às vezes, borboletas.

Chamava-se Luís. Usava óculos grossos, desses com lentes que deixam os olhos ainda maiores e, no caso dele, ainda mais deslumbrantes. Tinha bochechas vermelhas, não por causa do calor. Parecia que tinha nascido assim.

Fora marceneiro, um desses bem habilidosos, coisa que os calos das mãos denunciavam. Muitos calos, poucas palavras. Falava pelo olhar. Quando o ânimo deixava, no entanto, ele ousava acenar timidamente. Quando paravam, pessoas ou borboletas, ele cumprimentava com bom-dia ou boa-tarde, oferecendo um sorriso que diminuía o tamanho das bochechas.

Um dia apareceu alguém que de lá não era. Trouxe empolgação, novidade, o passado inteiro repaginado em forma de nova geração. Mas tudo o que os olhos azuis fizeram foi oferecer vinho e goiabada com queijo, perguntar como estava a vida — numa confissão óbvia de não saber lidar com o inesperado — e olhar, olhar e olhar, escaneando a visita para, quem sabe, conseguir desvendar a genética.

E sempre que a visita passava em frente à casa do senhor Luís, ele tirava o chapéu e inclinava levemente a cabeça. Tinha dias em que fazia tchau, batendo a bengala com a outra mão... Dizia que a cabeça era boa, mas as pernas, ruins. E a visita sempre achava que ele se despedia melhor do que cumprimentava.

Pode parecer poético alguém passar o dia assim, olhando tudo numa quietude providencial. Há até quem pense que era uma vida triste ou ociosa pela preguiça dos anos. Dizem que algo nele sabia o que o futuro lhe reservava e que justamente por isso ele ficava ali, paciente, só esperando...

A visita foi embora de vez. Dois meses depois, ele também.


4 comentários:

Anônimo disse...

Kandy,

Esse texto está muito engraçado!

Morri de ri enquanto lia. O pior é que estou no trabalho e o pessoal ficou me olhando com aquelas caras... "do que será que ele está rindo que nem um besta olhando para o computador?"

Obrigado por me fazer rir nessa manhã de segunda-feira.

Beijo,

Leo

PS: para que todos morram de inveja, eu sou quase um "co-autor" da foto. É mentira, eu só estava junto quando ela foi tirada.

Anônimo disse...

Galera, galera, galera...

Me desculpem, mas eu comentei o texto errado.

Eu queria comentar, na verdade, o texto "Cantoria mais besta, sô!"

Sabem como é a correria do nosso dia-a-dia. Na pressa, eu subi a barra de rolagem de uma vez e fui direto para o texto errado...

Espero que entendam, até porque era minha primeira vez (não que eu errei na vida, mas que fiz um comentário num blog).

Por favor, associem o meu comentário, acima, ao texto abaixo...

Leo

Ricardo disse...

Puxa, a risada o Leo me assustou. O velho morreu e ele se rachando de rir? rsrs Brincadeira!
Kandoca, sinceramente, vc já escreveu coisa fantásticas, mas essa superou. A poesia, o lirismo, aquele silêncio da tarde, tudo está na medida exata, como se vc tivesse trabalhado anos nesse texto, como um Baudelaire de saias. Mas não, tenho certeza de que saiu de um jato, e por isso conserva o frescor e a naturalidade. Lembrei do meiu bisavô, que também tinha olhos azuis e "cabeça boa, mas pernas ruins". Não cheguei a conhecê-lo, mas o que contam de sua velhice é exatamente o que vc escreveu. Lindo.

Anônimo disse...

Kandy, muito legal todos os textos, imagens, sacadas, etc. Estou retribuindo a visita que fizeste ao meu blog. Tbém vou passar por aqui de vez em quando para ver as novidades. Parabéns!