13 julho 2006

1950


Para o tio Carlos, que me deu a idéia...

— Alô?
— Boa tarde. Por favor, aí é da casa do senhor Antônio Carlos?
— Sim, é. Quem está falando, por favor?
— Aqui é a Olívia, do Sarmento.
— Nossa, que nome diferente! Pois não, dona Olívia do Sarmento, posso ajudá-la?
— Não, não, você não entendeu. Sarmento não é meu sobrenome, é um lugar.
— Lugar?
— É, é o nome de um colégio.
— Ah! Bem, que seja. O que posso fazer pela senhora?
— É um assunto delicado, eu receio. Você pode me responder uma pergunta?
— A senhora está fazendo alguma pesquisa, por acaso? É que eu estou com um pouco de pressa e...
— Não, não, não se trata de pesquisa. Você é o quê do senhor Antônio Carlos?
— Filha dele.
— Ah! Desculpe o jeito da pergunta, mas... o seu pai ainda está vivo?
— Quê?! Ah, bem, está sim. Tudo bem que eu não entendi esse “ainda” aí da sua pergunta. Significa por acaso que ele passou da idade de estar vivo?
— Não, absolutamente. Ufa, que alívio! Sabe o que é, é que eu estou ligando para a turma de 1950 do colégio Sarmento, sabe? Seu pai estudou nessa turma e eu queria fazer um reencontro dessas pessoas. O problema é que a maioria dos ex-alunos que eu consigo localizar já morreu, sabe?
— Não, não sei. Morreram? Que horror!
— Pois é. Mas que bom que seu pai está vivo, acho que ele vai gostar de ir à reunião. Nossa, tão emocionante! Imagine você, a turma de 1950!
— É, dona Olívia do Sarmento, eu faço uma idéia. A reunião vai ser onde?
— Ainda não está planejado porque preciso saber primeiro quantas pessoas sobreviveram, ou melhor, quantas irão. Mas você acredita que uma outra moça, filha de um ex-aluno pra quem liguei, teve a coragem de perguntar se a reunião não seria num centro espírita, porque era o único jeito de convocar os defuntos?!
— Ai, cruz-credo!
— Então, você poderia falar para o seu pai que eu liguei?
— Claro, a senhora deixe o seu telefone, por favor, que ele liga de volta.

+ + + + +

— Pai, ligou para o senhor uma tal de Olívia do Sarmento.
— Não conheço ninguém com esse nome.
— Não, não, o senhor não entendeu. Sarmento é o nome de um colégio.
— Colégio? Mas eu já passei da idade escolar faz um tempo... No mínimo pegam o nome da gente na lista telefônica pra sair oferecendo curso...
— Pai, Sarmento é o nome do lugar onde o senhor estudou! Eu, hein!
— Eeeeeeuuuuuu? Quem te falou isso?
— A tal da Olívia do Sarmento, ué. Aliás, ela também ficou muito feliz pelo senhor ainda estar vivo. Disse que todo mundo pra quem ela liga da turma de 1950 já morreu. Bom, né?
— Ô louco! Como é que pode ser bom?! Coitados! Será que morreram de morte morrida ou de morte matada?
— Isso eu não sei, mas falei bom porque isso é sinal de que o senhor está aí, firme e forte, pra contar a história.
— Mas eu nem me lembro dessa gente! Não me lembro sequer do nome desse colégio! Quem dirá contar história. Posso é contar umas piadas, serve?
— Mesmo assim, eu se fosse o senhor iria a essa reunião!
— E vai ser onde? No cemitério?! — e caiu na risada.
— É, pai, acho que entendi por que o senhor é um sobrevivente da turma de 1950...
— Tudo bem que eu não era lá um aluno exemplar, mas também não boiava nas aulas pra você me considerar um náufrago a ponto de me chamar de “sobrevivente”!
— O senhor é bem-humorado e espirituoso.
— A tal da Olívia do Sarmento achava que eu já era espiritual — e caiu na risada de novo.
— Que roupa o senhor vai usar nessa reunião?
— Pelo andar da carruagem, acho melhor eu ir fantasiado de Gasparzinho, o fantasminha camarada... para me reenturmar, entende? Vai ser uma aparição e tanto! Cai como uma luva para esse evento! Pensando bem, vai ser um assombro essa reunião, né? — ria feito doido — Eu e a Olívia do Sarmento com um bando de almas penadas. Hi, hi, que divertido! Vou poder finalmente saber como é que é o outro mundo! Já vou chegar falando: e aí, turma do além, há quanto tempo, hein?
— Isso é o que eu chamo de reviver os velhos tempos! Ou é melhor dizer desenterrar o passado? Só falta ela marcar isso no Dia das Bruxas... já pensou?
— Aí, minha filha, vai ser literalmente de arrepiar!

E os dois morreram de rir. Ops, modo de dizer, modo de dizer...


6 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom! :D
Bjs
Jana

Anônimo disse...

nossa kandy... muito bom !!!!

bjão

Anônimo disse...

Esta paisagem me lembra uma outra estória. Mas, você sabe, qualquer semelhança com a vida real...é só a vida imitando a arte!

Ainda bem que não esperamos tanto para reunir o pessoal. Espero só que este segundo encontro desencante.

Mas enquanto isso a gente também segue esperando e morrendo de rir. Com você, ainda bem, vivendo e escrevendo!

Bjs

Fabiano

rafael fermiano disse...

é deve ser interessante juntar o pessoal, contar velhas historias e talz...
quando tiver meus 50 organizo algo...hauha

Anônimo disse...

Eu como a tal filha do sobrevivente agradeço a crônica. Ficou ótima!!! Espero que o meu pai tenha lido. BJKS

Anônimo disse...

Adoro a comicidade em algumas de suas crônicas ... Parabéns !!