08 dezembro 2007

Linguagem

Para Marcelo, pela sugestão do tema e pelo desafio que ele é.

Salvador - Bahia

"O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.

O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.

O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar."


Carlos Drummond de Andrade, "O mundo é grande".


O mundo é grande. O mar é grande. O amor é grande. E tudo cabe no breve espaço de beijar.

No breve espaço de beijar cabe o universo. Um universo de sensações, um universo de expectativas, um universo de desejo que vai e vem, que percorre o corpo várias vezes, provocando ondas de calor como se todos os segundos fossem verão.

Mas, mesmo sendo universo, no breve espaço de beijar só cabem dois: dois pares de lábios, dois pares de olhos fechados, duas línguas, dois corações, duas pessoas, dois jeitos, duas improvisações.

No breve espaço de beijar cabe mesmo o mar. Um mar de água na boca. Vontade de mais, de sempre, de grude, de amasso, de sexo.

No breve espaço de beijar cabe muita volúpia, muito movimento, toque e tesão. Cabe uma aquarela completa que dança no pensamento vazio enquanto o corpo se enche de... mundo.

No breve espaço de beijar cabe troca. De saliva, de textura, de sentimento, de um mar de silêncio, apesar da trilha sonora que toca na imaginação, porque um beijo pára tudo ao redor só para ser apoteose, mesmo quando considerado mera alegoria.

No breve espaço de beijar cabe o que a gente ainda não sabe. Não sabe se é amor, se é paixão, química, tentação ou só impulso. Cabe o indefinível, porque beijar é mais importante do que qualquer tentativa de dicionarização.

No breve espaço de beijar cabe estréia. O primeiro, o segundo, o terceiro, o milésimo. Todos premières cheias de glamour, porque as variáveis são muitas e as combinações, inúmeras: variam as bocas, os lábios, os amantes, os dias, os cenários, os motivos — um beijo nunca é igual ao outro.

O breve espaço de beijar é tão enorme que nele também cabe paradoxo: brevidade e permanência, elegância e desalinho, calma e voracidade, fome e satisfação. Congela a memória mas faz ferver o sangue. Em um beijo cabe um mundo de contrariedades, de opostos que se atraem, de algo em comum.

O beijo é intenção declarada, ponte para o outro, uma invasão consentida mesmo quando roubado, apetite incontido, jeito ousado de mostrar com a boca o que os olhos querem e não alcançam. É sei lá, deixa para lá, o lá de dentro e o lá de fora num diálogo mudo que diz tudo aqui e agora.

Beijar desequilibra, faz perder o rumo, a cabeça, a razão, mas não a oportunidade. É mesmo um espaço infinito ainda que acabe rápido, deixando a respiração ofegante e o corpo todo falante, já que a boca está ocupada demais para pronunciar sílaba. Um beijo é língua comum embora deixe a gente sem palavras. Beijo é linguagem. Desvia todos os sentidos para o paladar. É gosto que não se discute ao sabor de cada par.

Por isso que o beijo contém o mar, o céu e o que mais for possível imaginar. Porque qualquer beijo é um gigante mostrando horizontes inteiros para a gente desvendar.

O mundo é grande. O mar é grande. O amor é grande. E tudo, absolutamente tudo, cabe no breve espaço de beijar.

11 comentários:

Daniela Valverde disse...

Kandy, texto perfeito! Enquanto o lia só pensava em um beijo que deixei em aberto e que até hoje busca esta imensidão que ele promete!
Obrigada por ter tocado minha alma neste domingo nublado!

PS. Este vai lá para meus textos favoritos!

Dani
1daystand.blogspot.com

Anônimo disse...

perfeito!

Anônimo disse...

Maravilhoso...
Me faz pensar os beijos que ficaram no vácuo...
Um beijo

Ricardo disse...

De trazer água à boca. Literalmente.

Cris disse...

Não há coisa melhor que senti ro beijo de quem estamos apaixonados, morrer num instante, desejar viver para sempre!!!

Anônimo disse...

Kandy:
Sem comentários...
(Lembra do que eu estava comentando hoje na hora do almoço, né?)hehehehe

Vinícius Rennó disse...

Completamente ofegante. Aliás, orgástico! Toma cuidado com o que escreves, moça, pois um dia desses alguém pode ter um infarte de tanta emoção e sensação reunida num único texto.

E por falar em texto, já podes informar aos teus leitores que há um novo texto teu em outros prados: Um livro para chamar de meu

Um beijo de elfo-barbudo no meio da testa! =*

Anônimo disse...

Kandy Lee!!!
Depois de um longo tempo sem passar por aqui ....
Vejo esse TEXTO MARAVILHOSO....
Vc sabe? Me deu uma vontade louca de beijar, rsrsrsrsrsr.....
Vou tentar resolver isso.....

Bjs

Anna Carolina Alves de Paiva disse...

Oi, vi seu depoimento na revista e adorei sua história com o dog alemão, o "ser mitológico".

"Os cães têm alma de filósofo"

abraços...

Camafunga disse...

Maravilhoso...

Anônimo disse...

Oie
Estou sentindo falta da sua visita no meu blog.
Correria de fim de ano, heim!
Adorei o texto e a Angela me pediu por email. Pediu pra vc tambem?
Como eu sempre digo, beijar da ibope, sempre...rsrsrsrsr
Falando nisso.
Beijos