28 maio 2006

(Des)gosto não se discute

Duas colegas de trabalho esbarram na fila do refeitório. A mais entusiasmada sai falando, com uma intimidade de fazer inveja a qualquer casal não tão bem resolvido:
— Você viu a minha jaqueta nova?
— Ah, é nova? Legal. Desculpa não ter comentado, é que eu nem reparo nessas coisas — e continuou se servindo de salada. Beterraba deixa a língua roxa, mas é saudavelzinha...
— Mas devia. É a tendência. Você não se liga em tendência?
— Pra ser sincera, eu detesto tendência. Ela incomoda a minha personalidade.
— Como assim?
— É, me incomoda, sei lá... quer dizer que, se a tendência for usar uma calça de bolinha com um rasgo na bunda, você vai lá e compra uma?
— Ué, se for bonita, qual o problema? — passa reto pela beterraba, fazendo cara de nojo.
— Nenhum. Aí é gosto aliado à tendência. Perdoável.
— É moda, moda, mo-da, entendeu? Cê precisa se modernizar!
— Cê quer dizer modarnizar, né?
— Não entendi... bem, não interessa, você ainda não explicou o negócio de se incomodar...
— Me incomodo porque detesto essas regras de como devo me vestir... sobretudo se elas baterem de frente com meu gosto pessoal. Cada coisa ridícula que inventam e, pra ganhar dinheiro, dizem que é tendência. Se a tendência for roxo-batata, cê usa, por acaso? Fora que esse papo de tendência massifica, entende?
— Massi o quê?
— Nada não, deixa pra lá.
— Não, deixa pra lá coisa nenhuma, você tá me achando ignorante, por acaso? — e bate a colher na bandeja, ao mesmo tempo que coloca uma das mãos na cintura.
— Eu?! Imagina! Nem falei nada.
— Por isso mesmo. Não explicou porque acha que sou burra e que não vou entender... — a cara de ofendida não convence.
— Ih, que estresse... Relaxa, tá legal? Não é nada pessoal, é que não tô a fim de papo cabeça a essa hora do dia.
— Ah, vai dizer que isso te incomoda também? Meu, cê é muito esquisita, sabia? Pega até beterraba!
— É, o pior é que eu sabia. Mas obrigada pelo toque de qualquer forma, cê tá sendo legal...
— Tudo bem, disponha. Mesmo esquisitinha, cê parece do bem. Mas voltando: comprei essa jaqueta quando viajei pro Equador. Lá é tudo de bom...
— É? Nunca tive lá. Nem sabia que o Equador era famoso por suas jaquetas.
— Minhas jaquetas? Tá louca? Ai, to dizendo que cê é estranha! Só falta pegar aquele legume branquinho estranho ali da frente... Meu, tô falando que eu comprei lá, dã... Comprei lá naquela cidade... como é mesmo o nome? Uma cidade famosa com nome engraçado...
— Quito, a capital?
— É, essa mesma... — demora um pouco pra ficha cair. Num repente, ela exclama: — Ah, dá licença, meu. Sai daqui! Não dá pra conversar com você, viu! Cê sabe a capital do Equador! Ah, vai se ferrar! Garota loca!



6 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom kandy...
Isso foi alguma experiência pessoal ?
hahahahahaha
bjs

Anônimo disse...

AI QUE DELÍCIA LER OS SEUS TEXTOS AMIGA...
Amei, amei!!
beijinhos. Deus te abençôe!

Anônimo disse...

Oi Kandy,
Adorei os seus textos e por acaso esse é verídico?!?! Muito bom...rsrsrs.
Besos,
Pri

Anônimo disse...

Oi Kandy,
Adorei seu blog, mto, mto, mto bom!!!

Bjos
Cris

Anônimo disse...

Por onde vc passou p/ escrever esse texto, Kandy? Numa sala de aula cheia de adolescentes?rs.
Amei.
bjs

Kandy disse...

Para matar a curiosidade desses leitores ávidos por saber de onde veio a inspiração para este texto: a situação foi verídica, sim, mas não como contada. Um colega meu não tão chegado havia comprado uma jaqueta no Equador e ficou meia hora tentando lembrar o nome da bendita capital. Na tentativa de ajudá-lo, eu disse "Quito não é o nome que você está tentando lembrar?". Ele ficou bem bravo e soltou "Ah, só a Kandy mesmo pra saber isso, dá licença!". Nunca mais esqueci essa experiência traumática. Rubem Braga escreveu uma vez: "(...) mas fiquei calado, porque é antipático mostrar que a gente sabe coisa demais". No caso, não acho que sei demais. Esse colega é que sabia de menos.